Aprender a negociar é condição indispensável na vida e no trabalho. E isso não mudou. A regra fundamental continua sendo a de nunca entrar numa negociação despreparado. Veja artigo de Maria Tereza Gomes, CEO da Jabuticaba Conteúdo, publicado na revista EXAME – Julho 1996
Um pouquinho de contexto
Vinte e três anos depois de publicada, esta reportagem continua atual. Numa rápida pesquisa no Google a encontrei mencionada em dezenas de lugares. Está, por exemplo, nas referências bibliográficas do livro Vendas: técnicas para encantar seus clientes, dos autores Matheus Alberto Cônsoli, Luciano Thomé e Castro e Marcos Fava Neves. E em páginas de sites como FGV, Scribd e Passe Direto, que a publicam na íntegra - acho que eu devia ganhar algum direito autoral aí, mas isso é outra história. O fato é que aprender a negociar é condição indispensável na vida e no trabalho. E isso não mudou. A regra fundamental continua sendo a de nunca entrar numa negociação despreparado. Estar sempre abastecido de informações, claro, mas também estar física e mentalmente bem. Não é fácil, mas os entrevistados da reportagem provam que é possível. Como empreendedora, eu negocio o tempo todo com clientes, funcionários e fornecedores. No entanto, a fase em que mais essa competência me foi exigida ocorreu durante a implantação da IdealTV, entre março, quando comecei como primeira funcionária, e 1 de outubro de 2007, quando colocamos o canal no ar. Aconteceu de tudo: contratação de funcionários, seleção de apresentadores, seleção dos programas que formariam a nossa primeira grade. Era preciso vender o sonho de fazer um canal de televisão do zero sem ter experiência prévia em televisão. Tenho a honra de dizer que uma equipe talentosa e motivada se juntou ao projeto. Na produção e direção de programas, Eriel Civali, Felipi Ariani, Otavio Sgarzi e Róger Carlomagno. Na frente das telas, nomes como os atores Kadu Torres, protagonista da sitcom 100 Maneiras (na foto, ele está de gravata e Róger, o diretor, de pé), e Fabio Ock, apresentador do Entre formigas & gafanhotos, que já tratava do tema de sustentabilidade. Resumo da ópera: estar 100% preparado é importante, mas saber vender o sonho talvez seja mais (Maria Tereza Gomes).
Como arrancar o sim do outro lado
(EXAME – Julho 1996)
Por Maria Tereza Gomes
O executivo polivalente, capaz de vender, comprar, administrar, ser líder, tocar um negócio etc. tem sido cada vez mais valorizado nas empresas. Mesmo tudo isso, porém, pode ainda não ser suficiente.
Cada vez mais, nestes tempos de corpo-a-corpo com o mercado, as empresas andam de olho em profissionais com uma outra habilidade: a de negociar bem. Não importa se é com o cliente, com o fornecedor, com os funcionários, com o chefe, com os bancos ou em operações mais complexas, como as de aquisições, fusões ou vendas de empresas. Aí, o limite entre o sucesso e o fracasso pode ser a diferença entre ganhos e perdas na casa dos milhões de dólares.
“Os negociadores de sucesso estão sendo procurados tanto quanto os líderes,” diz José Augusto Minarelli, da Lens & Minarelli, consultoria de aconselhamento profissional e outplacement, de São Paulo. O que faz do executivo um negociador de sucesso, daqueles que saem das reuniões com um sim a seu favor? Eis alguns itens que não podem faltar nessa receita...
Ele tem em mente quais são seus objetivos e não se desvia deles.
Sabe tudo, tudo mesmo, sobre o assunto, sobre a empresa, sobre o negócio e sobre quem se sentará à sua frente na mesa de negociação.
Sabe a hora de levantar-se e adiar os trabalhos ou de pressionar para obter o sim.
Tem a habilidade para demonstrar que naquele negócio os dois lados ganham. A estratégia é conhecida como win-win, ou ganha-ganha, pelos negociadores americanos.
Nunca é previsível. O bom negociador varia o estilo, a abordagem e a velocidade da negociação.
Sabe manter sigilo. Se for preciso não conta nem para a esposa ou para o marido.
Sempre mantém uma porta de saída honrosa, para não sufocar o outro lado.
Inicia a negociação com alternativas. Caso não dê certo a primeira, oferece uma segunda ou terceira opção.
Nessa receita o talento e o charme também contam pontos. O talento é necessário para saber a hora certa de agir. O charme mantém o indispensável clima de cortesia, respeito e bom humor. Só que sem trabalho, muito trabalho, não há sucesso numa negociação.
Antes de qualquer rodada de reuniões, é preciso fazer a lição de casa, estudar os fatos, os dados e números. Não se detenha apenas no foco da negociação. Aspectos aparentemente irrelevantes podem ser usados pelo outro lado para surpreendê-lo.
Lembre-se: a informação vale dinheiro sempre e, numa negociação, vale muito mais. Portanto nunca vá a uma reunião sem estar de posse das informações fundamentais. Se for preciso, peça adiamento, negocie um prazo maior.
“Não há talento que resista a uma preparação deficiente”, afirma Álvaro Lopes, diretor do banco Bozano Simonsen, em Nova York. Por vários anos, Lopes participou de negociações do Bozano na privatização de estatais brasileiras.
As informações são relevantes não apenas quando dizem respeito ao negócio em pauta. O bom negociante deve conhecer quem está sentado do outro lado da mesa e, melhor ainda, quem realmente decide.
Coloque-se no lugar da pessoa e se pergunte qual é o objetivo dela. Concentre-se nos interesses que há por trás das posições oficiais de seu oponente, entenda a sua lógica. Essa é uma fórmula eficiente para evitar que você faça propostas que serão recusadas de cara, desgastando a negociação sem necessidade.
Nunca subestime o seu parceiro de negociação se você realmente espera fechar o negócio. Tampouco exija o impossível. Se o outro se sentir acuado, pode entrar em pânico e fugir. Aí, você dará adeus ao que poderia ter sido um belo negócio. Olhe para o seu oponente, mas não esqueça de seus próprios objetivos.
Com eles, o negociador define onde pode (ou não pode) ser flexível. O negociador deve ter alternativas. Caso uma não dê certo, pode sacar da manga uma segunda, ou uma terceira. Numa negociação se disputa dinheiro, prestígio, reputação, resultados de médio e longo prazos de uma empresa.
“Uma boa negociação é mais estimulante do que um jogo de gamão ou pôquer”, diz Harry Simonsen, da Simonsen & Associados, de São Paulo. Simonsen é negociador de empresas há mais de trinta anos. De todas as transações de que participou, uma marcou a sua carreira. Na década de 60, uma empresa americana, sua cliente, pagou além do que o vendedor brasileiro estava pedindo por sua empresa.
“Os americanos acharam que o brasileiro estava pedindo aquém do preço justo”, afirma Simonsen. Segundo ele, uma negociação só termina bem quando os dois lados ganham. O win-win pregado pelos americanos pode ser utilizado em qualquer situação.
Quem tem filhos negocia o tempo todo com eles, desde o desempenho na escola à hora de dormir. No ambiente de trabalho se negocia salário, promoção, tarefa e assim por diante.
Estilo pessoal
Analise como você se comporta nessas negociações triviais e responda: você é um negociador do gênero durão ou brando?
O primeiro faz o papel de adversário, sua meta é a vitória. Bate o pé, intimida, ameaça, desconfia, vai para o confronto. O segundo prefere colocar-se como aliado, busca um acordo. É flexível, confia e evita a guerra.
O autoconhecimento também faz parte das qualidades de um bom negociador. Nenhum estilo garante 100% de sucesso em todas as negociações. Mas, ao conhecer-se, o executivo descobre seus limites e suas qualidades.
“Ele aprende quando pode dizer sim e quando precisa dizer não”, diz Odino Marcondes, da Marcondes & Consultores Associados, consultoria de treinamento em recursos humanos, de São Paulo.
Marcondes treinou 7.300 executivos nos últimos cinco anos num curso de três dias que ensina como negociar bem. Segundo ele, é possível aprender a arte da negociação. A diferença é que alguns nascem com habilidades para aprender mais rápido.
Ou seja, o que varia é o grau de dificuldade e a quantidade de treinamento necessário. O curso de Marcondes tem a vantagem de simular situações de negociação, nas quais os participantes são filmados.
A análise posterior do vídeo detecta a postura, o tom de voz, os gestos, os argumentos utilizados, o estilo pessoal de cada um. “Não adianta querer usar ferramentas bem-sucedidas em outros executivos. Cada um tem de encontrar seu próprio estilo”, diz Marcondes.
O poder de sedução ou de persuasão são armas válidas numa negociação. Use-as se você as tem. Porém, atenção para um conselho de grandes negociadores: você deve ser capaz de surpreender seu oponente. Alterne simpatia e bom humor com firmeza e dureza. Quanto mais previsíveis forem suas atitudes, menores as chances de sair da negociação com um sim a seu favor.
Ética
As negociações também envolvem uma boa dose de ética. Não minta jamais para o outro lado. Quando for impossível contar tudo, omita – ou, se colocado diante de uma pergunta direta, diga que não está autorizado a respondê-la. Toda vez que você não conseguir cumprir o combinado, não espere o outro descobrir. Pegue o telefone e avise antes.
O bom negociador, aquele que está na linha de frente das reuniões, precisa ter credibilidade. E boa saúde. Só assim consegue suportar o estresse, a tensão, o nervosismo, as noites mal dormidas, as jornadas longas.
Aos 56 anos, com pressão alta e úlcera no estômago, o executivo Claudio Galeazzi freqüenta sessões diárias de ginástica e halterofilismo. As doenças, ele adquiriu fazendo o que mais gosta: negociar. Galeazzi se especializou em gestão interina de companhias quebradas.
Já passou pela Cecrisa e pela Vila Romana, e agora está na Mococa. O seu trabalho é negociar dívidas com bancos e fornecedores no pior momento das empresas. “Não dá para evitar que a úlcera se manifeste”, diz Galeazzi.
A vida sedentária é um inimigo constante dos executivos e pode afetar o seu desempenho numa negociação. Quem enfrenta reuniões longas, às vezes noite adentro, precisa estar com a saúde em dia. O raciocínio rápido, a capacidade de concentração, a disposição para levar o assunto até o fim dependem dela.
A visita regular ao médico pode prevenir males maiores, mas é importante não se descuidar do condicionamento físico. Isso é o mínimo que você pode fazer para preparar-se para negociações que chegam a durar seis meses, um ano.
Sensibilidade
Outro ponto que merece cuidados é o psicológico. Você precisa estar emocionalmente preparado para saber a hora certa de ser simpático e bem-humorado ou de comportar-se com dureza. A sensibilidade para dar os passos na hora em que eles devem ser dados é uma das chaves que diferenciam o bom do mal negociador.
Imagine-se numa negociação sobre as condições de pagamento com dezenas de credores de uma empresa concordatária da qual você é diretor financeiro. Ou, então, que está envolvido na reestruturação do passivo da Varig, um quebra-cabeças financeiro e negocial de primeira grandeza. Ou, ainda, que você é o presidente interino da Lacta enquanto os sócios, Philip Morris e Adhemar de Barros, digladiam-se.
Imagine, por fim, que você é Álvaro Gonçalves, tem 33 anos e que já passou por todas essas experiências. Gonçalves deixou a presidência da Lacta no começo de julho, depois de seis meses em meio às negociações que levaram a Philip Morris a assumir o controle da empresa.
Durante períodos de negociações, Gonçalves segue uma receita de três ingredientes para se dar bem: se abastece de muita informação, trabalha em equipe o tempo todo e só faz propostas que considera viáveis para os dois lados. Um grupo trabalha ligado diretamente a ele. É com essa turma que ele se abastece de informação, pede opiniões e discute planos.
Antes das reuniões mais complexas, mesmo que aconteçam cedo, Gonçalves repassa todos os pontos do acordo com a equipe. O encontro também é usado como ensaio para a reunião de verdade. O seu objetivo é ter os números corretos, os fatos corretos, os dados corretos, fresquinhos na cabeça, para argumentar e contra-argumentar à mesa de negociação. “Eu aprendi na prática, negociando”, afirma Gonçalves.
O americano William Ury, autor do livro Getting to yes (Como chegar ao sim), com três milhões de cópias vendidas em vários países, concorda com Gonçalves. Segundo ele, 80% da habilidade de negociação é aprendizado. O resto é intuição. Ury esteve no Brasil em maio para um seminário sobre o tema. Durante o encontro, o americano deu um conselho: após cada negociação reserve um tempo para preencher uma pequena ficha. Nela devem constar informações sobre o que funcionou ou não, o que deveria ter sido feito diferente, maneiras de aperfeiçoar o acordo, as surpresas no meio do caminho e quais habilidades precisam ser aperfeiçoadas. Ury tem experiência no assunto.
Entre seus clientes estão o governo americano e empresas como a American Express e a Microsoft. Segundo ele, é possível obter melhorias constantes na capacidade de negociação. Então, vá em frente.